quinta-feira, 15 de abril de 2010

Primeiro prelúdio - Capítulo X

CAPÍTULO X
Ela formou o corpo para o espírito. Este maravilhoso Operário não poderia ser tão bem munido de um instrumento como o espírito, para poder responder à sua postura e atividade. Não poderia haver nada mais adequado para seguir à prontidão de seus movimentos e para servir à diversidade de suas operações. Pela indústria deste nobre artesão, o homem pode dizer que ele tem, sem muita dificuldade, o que lhe permite ter todos os bens. Ele pode se gloriar do fato de ser rico de uma única coisa que enriquece todas as outras. E do que mais ele deve cuidar – inclusive para a estrutura perfeita de seu corpo – se esta coisa não se preocupa muito com os favores e com as graças da Natureza – ou seja, se ele tem a vantagem do bom tamanho ou a boa aparência – mas se o homem tem a constituição de espírito sã e feliz? Será que o homem não sabe que esta coisa conserta a tristeza e os limites da outra? Será que não entende que ela apaga, ou pelo menos recobre, as imperfeições? E, para dizer bem a verdade, de que serve aos Centauros ter um corpo duplo se lhes falta luz e inteligência? E não teríamos razão em dizer que, com uma e outra [luz e inteligência], as Graças [refere-se à representação das Cárites da mitologia grega – Aglaia, Tália e Eufrosina, seguidoras de Vênus e dançarinas do Olimpo –, que são representadas por três mulheres nuas; ndt] não estão nuas ainda que estejam sem roupas? Recolhamos disso que o espírito vale infinitamente mais do que todas as vantagens que a liberalidade da Natureza tenha dado aos animais; e que, sem outra recomendação do que aquela que ele tira do espírito, ele é de um valor inestimável. E, com certeza, quem diz o espírito diz o que compreende e encerra em si todos os bens, como quem, falando do dinheiro, fala do que significa, em geral, todas as riquezas; fala, em uma só palavra, do valor das coisas juntas. E podemos mesmo dizer que aqueles que têm dinheiro em abundância, não tendo coisa alguma, possuem todas as coisas, já que, com o dinheiro, podem ter todas as coisas, e que a aquisição delas só depende de sua vontade. Há também, certamente, mais vantagem na posse do dinheiro do que na posse de todas as outras coisas; e vemos ainda mais valor em uma única moeda do que na quantidade de outra, de forma que a unidade prevalece sobre o número, porque a unidade contém o número, e o preço de cada uma está gravado em si. Nisso se justifica, sumamente, a excelência da pobreza, já que as riquezas se formam sobre o seu exemplo, e já que elas [as riquezas] são maiores quando consistem em poucas coisas – tanto isso é certo que a opulência afeta a simplicidade, porque ela aumenta o preço dessa última, e a pobreza é, então, a verdadeira imagem da riqueza. Assim, portanto, uma só coisa nos permite possuir todas as outras coisas: o espírito sozinho nos faz adquiri-las, nos dá todas as outras coisas, e para as ter todas, sem dúvida, nos é suficiente ter o espírito.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 29-30.

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