sexta-feira, 23 de abril de 2010

Terceiro prelúdio - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
Que não sejam apenas os profanos a nos ensinarem a confiança que devemos ter na paz de espírito, visto que eles não nos poderiam dar exemplos e provas desta verdade tão excelentes quanto aqueles que temos da pessoa do grande Apóstolo [fala de São Paulo; ndt] que, sem outras armas, se comportou de tal forma que se glorificou: nem a vida, nem a morte, nem os Anjos, nem os Principados, nem as Potências, nem o tempo presente, nem o futuro, nem a altura, nem qualquer criatura que seja, nada o separou de Seu amor e de Sua Vontade, que ele elegeu sobre todas as coisas do mundo. Há certos bens da aparência que, porém, como uma coragem ordinária, não seriam capazes de lhe inspirar pensamentos tão altos, não seriam capazes de lhe fazer conceber desígnios tão grandes, não seriam capazes de levá-lo a querer combater as maiores calamidades da vida – a fome, a pobreza, os sofrimentos, a perseguição. Por mais poderosos e perigosos que sejam esses inimigos, eles não lhe pareciam dignos de que se ocupasse deles; ele os considerava muito abaixo de si, e os olhava com desprezo. Os perigos, os fracassos, as aflições, as dores e qualquer outro tipo de traços que a Fortuna utiliza nas suas mais cruéis vinganças não seriam suficientes para a sua ambição: ele queria abordar as forças do Céu, ele se opunha, ele desafiava todos os  exércitos dos Anjos; eu vos pergunto, com o quê? Apenas com a confiança que ele tinha em si mesmo, com a segurança que tinha em sua paz e em sua caridade. Como seu poder deveria ser grande! Como coisas desarmadas tiveram tanta força para resistir tão corajosamente à Fortuna, ao mundo e ao Céu! Mas, ele não quis permanecer somente nisso, ele disse ainda mais altamente que não havia nenhuma criatura capaz de separá-lo de Seu amor. Talvez ele quisesse falar de criaturas inferiores e baixas. Não, não. Ele nomeou claramente as mais altas, as mais excelentes: os Anjos, os Principados, as Potências – toda a força e todo o ornamento do céu. Que coragem é essa capaz de desafiar coisas ainda maiores, capaz de buscar novos inimigos e desejar inimigos mais fortes? Vedes até aonde vai a paixão daquele que ama perfeitamente: ele desafia o que não é, tendo já vencido todo o resto. Alexandre [refere-se a Alexandre, o Grande; ndt] não conhecia nada superior a ele, mas tão somente a sua ambição. Este mundo, não lhe parecendo suficientemente grande para suas conquistas, lhe motivou o desejo de novos. Assim também, este Herói [refere-se a São Paulo; ndt], não tendo nada além de sua paz como força, não considerou este mundo como um justo inimigo; ele quis um outro mais digno de seu valor, tão forte ele se considerava e tão assistido por Deus que combatia com ele. Certamente também, com uma vantagem tão rara, ele se considerava maior do que tudo pode ser, tudo que tudo é, tudo que tudo não é, de tudo que poderia ser, mais do que este mundo e um outro mundo ainda. Este grande Discípulo do Céu era poderoso e rico de si.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 73-75.

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