quinta-feira, 15 de abril de 2010

Primeiro prelúdio - Capítulo XV

CAPÍTULO XV
A mão é o instrumento dos instrumentos e o primeiro dos órgãos, segundo Aristóteles, porque sem ela todas as coisas das quais o homem faz uso seriam absolutamente inúteis, já que seriam como que desprovidas daquilo que, para as coisas todas, cumpre o papel da Alma, dando-lhes vida e movimento. Galeno transfere este elogio para o espírito, estimando que ele é mais próprio do homem, porque foi ele que inventou as Artes, porque ele governa, ele guia a mão e ele é incomparavelmente mais nobre que tudo o que recebemos da Natureza. Mas, para falar bem a verdade, esses Filósofos dão a uma e a outro a glória que furtam à Vontade. É ela que deve ser chamada o instrumento dos instrumentos e ainda mais justamente, sem dúvida, visto que ela nos dá aquilo que a Natureza nos daria, quer dizer, aquilo que se pode pretender das ternuras de uma boa mãe, mas que ela [a Vontade] ajunta novos bens àqueles que nos vêm dela [da Natureza], e que ela aumenta infinitamente sobre as mais notáveis vantagens que deles possamos tirar. E para não mentir em nada, devemos muito mais à sua moderação [da Vontade] e, por assim dizer, à sua economia do que à liberalidade da Natureza, do que à prodigalidade da Fortuna, do que a todas as invenções e toda a indústria de nosso espírito. Ela encontrou o meio de nos dar todas as coisas, dando-nos um privilégio tão raro que é aquele de não ter necessidade de nada. Ela nos é liberal para além de tudo o que as outras poderiam ser. O que mais poderíamos dizer de todas as riquezas da Natureza? A Vontade é magnífica sem estrondo e sem pompa; ela nos fez adquirir sem maiores cuidados e penas toda a indústria do espírito; sem nada nos dar, com efeito, ela nos enche, ela nos satisfaz com todas as futilidades da Fortuna; ela é, certamente, a justo título, o instrumento dos instrumentos, não porque ela tenha nos enchido de raras vantagens, mas por aquilo que, pela excelente prerrogativa de sua moderação, ela faz em nós que tem o efeito de, sem nada, sermos ricos, às vezes até mesmo, à opulência, porque ela faz com que não tenhamos necessidade de nada. Com isso temos, uma vez mais, a possibilidade de justificar a Natureza por ela ter sido liberal com os animais, pelas coisas que ela lhes ofereceu como próprias, a fim de compor sua felicidade - já que a felicidade dos animais deve ser exterior e submetida à discrição de outros -, por ela ter dado a força aos Leões, a velocidade aos Cervos, a fineza às Raposas, e consequentemente a todos os outros os diversos meios que têm para poderem se conservar e se defender. Mas, já que a felicidade do homem deve vir de dentro dele, e já que ela só depende dele mesmo, poderia, eu vos pergunto, ter ele razão em se queixar de que ela o tenha excluído desse tipo de bens exteriores? Visto que, sem ter tido parte com ela, ele tenha tudo o que lhe é necessário para ser perfeitamente feliz. Visto que ele tenha, não apenas como os animais, com o que se garantir dos perigos que o ameaçam, e de se garantir a partir de vias muito mais nobres e seguras do que a força, a velocidade ou a esperteza. Visto que, além do mais, ele tenha algo com o que afastar a apreensão que precede todos os perigos. Visto que, em uma palavra, podemos dizer que ela tenha muito mais do que a metade de si mesmo, já que a felicidade não depende em nada de seu corpo, e que ela reside inteiramente em sua vontade.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 39-41.

Nenhum comentário:

Postar um comentário