terça-feira, 20 de abril de 2010

Segundo prelúdio - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
De onde procede esta diferença? Que maravilha que dois efeitos tão diferentes, tão pouco compatíveis, a alegria e a tristeza, venham de uma mesma causa! Que dois riachos de uma qualidade tão contrária, corram com uma mesma força! Que o que queimava, agora gele, que de um mesmo canal saiam o gelo e o fogo? Considerando assim as coisas, se poderá dizer que elas são da natureza daquele famoso Rochedo que lançava chamas e vertia água, que se tornou, ao mesmo tempo, fonte e fornalha. Sem dúvida, esta diversidade não vem delas, que são incapazes de mudança e que permanecem sempre no mesmo estado. É preciso, portanto, que esta diferença proceda dos movimentos da Vontade. Ela não deve vir de outro lugar. É nela que está a verdadeira sede da alegria e da tristeza. É a vontade sozinha que lhes dá o ser, pelo privilégio e pelo direito de sua inteira e plena liberdade. Com a mesma razão que se pode dizer que elas são produzidas pelas coisas que dependem das leis de sua natureza, da mesma forma que um escravo depende de seu mestre, elas não poderiam mudar de condição, nem aparecer com um outro rosto senão o que têm – seus rostos são sempre os mesmos e o são igualmente para todos. Somente a Vontade é franca e livre. Só pertence a ela se pronunciar sobre a natureza das coisas. Ela as determina como mais lhe agrada; ela faz a elas o que bem lhe parece. Assim, não é delas que vem nada desta diferença, mas tão somente da Vontade, que vai para onde quer e não conhece nada que a limite ou que a constranja. Assim, as coisas só têm as qualidades que recebem dela; está absolutamente em seu poder torná-las boas ou más, fazer com que elas nos agradem ou nos choquem. Alguém disse [não sabemos de quem se trata; ndt], certa vez, acerca do fogo que ele tempera as carnes. Pode-se também dizer o mesmo da Vontade: que ela prepara e tempera as coisas; que ela é bastante capaz de lhes mudar a própria natureza; que, por ela, a doçura mesma pode se tornar amarga e a amargura se tornar doce. Em uma palavra: que é puramente ela quem faz delas o que são; que dependem soberanamente dela; e que só têm o caráter e o preço que a estima dela lhes dá.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 52-53.

Nenhum comentário:

Postar um comentário